Sistemas, tempos e espacos: o Lab-Mundi em dez anos de fazer historiográfico

51 Alberto Camargo Portella da análise entre as partes e o todo em que o jogo analítico não é finalizado na mera enumeração dos participantes, mas busca compreendê-los enquanto mutuamente construídos.4 Como na conversa entre Kublai Khan e Marco Polo, em As cidades invisíveis de Italo Calvino, não devemos apenas mirar nas pedras ou no arco por elas formado para compreender a estrutura da ponte, e sim na relação entre esses aspectos configurando a totalidade e suas partes. E é justamente a definição do método e teoria que proporciona uma visão sobre tal relação e garante a inteligibilidade entre nossos estudos. Isso torna possível a um pesquisador da escravidão nas Américas do século XVIII dialogar com quem analisa o fortalecimento das burguesias no final da Idade Média. Ainda que as particularidades temáticas nos sejam estranhas e não tenhamos domínio sobre cada uma delas, o modo de encarar a relação entre as partes e a totalidade, bem como o estabelecimento de mediações, garante uma arena comum de discussão e diálogo, uma arena em que aspectos teóricos e metodológicos prevalecem.5 É com tais assertivas em vista que considerarei de que forma minha pesquisa baseou-se em diversas discussões engendradas em nosso laboratório, capazes de criar um chão-comum para nosso diálogo. Demonstrarei parte do aporte a ela oferecido em nossas leituras dos últimos anos. *** Avaliar o processo de diversificação agrícola na América portuguesa em fins do século XVIII ou utilizar as fontes do reformismo ilustrado para compreender as propostas reformistas portuguesas no mesmo período, tais objetivos já foram atingidos de diferentes formas na historiografia. Assim definidos, não comportariam novidades capazes de delimitar um novo problema como objeto de estudo.6 Todavia, ao vislumbrar aquela diversificação, escolhendo o caso do arroz, alguns problemas felizmente surgiram. Como compreender o desenvolvimento da cultura comercial de arroz na América portuguesa em fins dos Setecentos? De que modo o reformismo ilustrado português utilizou o conhecimento de outros quadrantes do mundo atlântico tendo em vista aquele cultivo e suas características? Para além dos novos questionamentos, o quadro 4 Ver, por exemplo, MCMICHAEL, Philip. Incorporating Comparison within a World-Historical Perspective: An Alternative Comparative Method. American Sociological Review, v. 55, n. 3, p. 385-397, 1990. p. 391-392. 5 Para considerações próximas a essas, sobre inteligibilidade no trabalho do historiador, consultar BLOCH, op. cit., p. 137-138. Ainda no que tange à inteligibilidade, mas em uma abordagem sobre a criação de novos centrismos no fazer historiográfico, consultar CONRAD, Sebastian. Posicionalidade e abordagens centradas. In: CONRAD, Sebastian. O que é história global? Lisboa: Edições 70, 2019. p. 198 e 211. 6 Consultar, por exemplo, as obras clássicas de ARRUDA, José Jobson de A. O Brasil no comércio colonial. São Paulo: Ática, 1980; e NOVAIS, Fernando Antonio. Portugal e Brasil na crise do Antigo Sistema Colonial (1777-1808). 9. ed. São Paulo: Hucitec, 2011.

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