Sistemas, tempos e espacos: o Lab-Mundi em dez anos de fazer historiográfico

52 A Economia-mundo e a rizicultura colonial. O todo e as partes em uma pesquisa sobre o arroz teórico-metodológico definido para a pesquisa buscou inscrever tais problemas em um enquadramento próprio, capaz de oferecer novos ângulos de análise e embasar uma novidade historiográfica. Tomando a América lusa e o cultivo comercial de arroz como uma particularidade a ser analisada – minha unidade de observação, busquei relacioná-la a uma totalidade, à economia-mundo europeia do período, aqui vista enquanto unidade de análise. Não se tratando do globo inteiro, essa última foi interpretada enquanto “[...] um fragmento do universo, um pedaço do planeta economicamente autônomo, capaz, no essencial, de bastar a si próprio e ao qual suas ligações e trocas internas conferem certa unidade orgânica”7. Tal unidade envolveu a própria organização de um mercado mundial de arroz e a circulação e recriação de ideias sobre a economia, ou seja, o pensamento econômico do período8. A relação empreendida entre esse todo e a particularidade analisada, o arroz colonial luso-americano, revelou dois resultados diferentes, mas conectados: o cultivo do cereal em terras portuguesas e o surgimento de diversos textos e memórias agronômicas que buscaram reorganizar a realidade agrícola colonial. Mais tarde, foi preciso avaliar se e de que forma esses resultados afetaram aquelas condições iniciais, verificando a possível existência de uma recíproca determinação. Ou seja, indicamos como foi construída a rizicultora colonial portuguesa e, por sua vez, de que forma a própria economia-mundo europeia e seu mercado de arroz puderam ser reorganizados pelo advento do cultivo na América lusa e da produção literária na metrópole. Nas palavras de Sartre, a análise dos processos históricos, em seu caso relacionada a um indivíduo e seu contexto, “[...] determinará progressivamente a biografia [...], aprofundando a época, e a época, aprofundando a biografia [...]”, ideia em que encaixamos, com ajustes, nosso objeto de estudo9. Quanto ao primeiro resultado, o cereal foi cultivado em diferentes partes da região luso-americana, desde terrenos na capitania do Maranhão com amplo uso de mão de obra escrava até uma produção em menor escala, muitas vezes de subsistência, em outras localidades da colônia. O grão foi parte constituinte da vida material das populações ali localizadas e, ao mesmo tempo, a presença de uma companhia monopolista nas capitanias do norte, criada pelo governo português em busca do revigoramento da produção 7 Ver BRAUDEL, Fernand. Civilização material, economia e capitalismo. Séculos XV-XVIII: o tempo do mundo. Volume 3. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2009. p. 12. 8 Sobre as mudanças no pensamento econômico luso, consultar CARDOSO, José Luís. O pensamento econômico em Portugal nos finais do século XVIII (1780-1808). Lisboa: Estampa, 1989. Para uma visão do mercado mundial de arroz do período, ver COCLANIS, Peter A. Distant thunder: the creation of a world market in rice and the transformations it wrought. The American Historical Review, Bloomington, v. 98, n. 4, p. 1050-1078, 1993. 9 Ver SARTRE, Jean-Paul. Questão de método. 4. ed. São Paulo; Rio de Janeiro: Difel, 1979, passim, principalmente a p. 112.

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