Sistemas, tempos e espacos: o Lab-Mundi em dez anos de fazer historiográfico

55 Alberto Camargo Portella mas com sinais inversos, pois a partir de então os discursos sobre atraso postavam portugueses e espanhóis em uma posição inferior e dependente em relação àqueles seus vizinhos. A agricultura de forma geral foi um tópico em que o conhecimento do norte foi entendido como instrutivo para as reformas em Portugal.14 Dessa forma, se o arroz colonial no âmbito do reformismo ilustrado português, envolvendo tanto o cultivo como a produção literária agrícola, foi o resultado de condições ditadas por uma realidade vinculada à economia- -mundo europeia, isso ofereceu novas reflexões. Por um lado, apesar de não ser ampla, a produção comercial luso-americana deslocou o mercado português, ao menos por um tempo, das mãos de fornecedores italianos e britânicos de arroz. Por outro lado, o desenvolvimento dos textos encontrou uma realidade cristalizada, para a qual procurou encetar mudanças. Contudo, ao postularem transformações que iam de encontro à realidade natural e socioeconômica da colônia, tais textos se mostraram pouco eficientes. Algumas das ideias não foram úteis à prática agrícola luso-americana, pois eram contrárias à organização laboral aqui existente, baseada na escravidão de africanos e afrodescendentes. Mesmo demonstrando uma clivagem de práticas e ideias entre metrópole e colônia, ainda assim as memórias foram indiscutivelmente um resultado intelectual marcante das reformas ilustradas pombalinas e pós-pombalinas.15 Tais argumentos trazem algumas respostas a nossos apontamentos iniciais, a partir das ideias sobre a convivência de temporalidades e as visões sobre a organização econômica que englobou a produção, o comércio e o consumo do grão – uma economia-mundo europeia em desenvolvimento. Se a escolha do arroz comportou uma novidade historiográfica, a proposta metodológica e teórica supriu uma abordagem capaz de relacionar o todo e as partes, analisando como ambos se determinaram no processo.16 14 Ver BERBEL, Márcia; MARQUESE, Rafael de B.; PARRON, op. cit., p. 27-93; também PAULINO, Mariana F. A semântica do tempo no discurso de reformistas ilustrados sobre as Américas ibéricas (c. 1750 – c. 1807). 2020. 294 f. Dissertação (Mestrado em História Social) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2020, principalmente as p. 31-197. 15 Conferir HAWTHORNE, Walter. From Africa to Brazil: culture, identity, and an Atlantic slave trade, 1600-1830. New York: Cambridge University Press, 2010; ALDEN, Dauril. Late colonial Brazil, 1750-1808. In: BETHELL, Leslie (org.). The Cambridge History of Latin America. Volume II. Colonial Latin America. 4. reimp. Cambridge; New York; Melbourne: Cambridge University Press, 1997. p. 639-641. O arado, por exemplo, não se coadunava à realidade luso-americana. Ver alguns motivos em HOLANDA, Sérgio B. de. Do chuço ao arado. In: HOLANDA, Sérgio B. de. Caminhos e fronteiras. 3. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1994. p. 204-208; também GORENDER, Jacob. Leis da rigidez da mão de obra escrava. In: GORENDER, Jacob. O escravismo colonial. 6. ed. São Paulo: Expressão Popular; Perseu Abramo, 2016. p. 249-274. 16 Como sugeriu McMichael, “[…] totality is a conceptual procedure, rather than an empirical or conceptual premise. It is an imminent rather than a prima facie property in which the whole is discovered through analysis of the mutual conditioning of parts […]” – MCMICHAEL, op. cit., p. 391.

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