70 A semântica histórica da experiência e as categorias de análise de Koselleck no estudo das dinâmicas de transição em grandes potências pós-guerra, o governo americano reforçou seus estudos e o processo de tomada de decisão sobre o tema já nos primeiros dias de 1943.29 A questão dos territórios portugueses não tinha sido mencionada especificamente até então. No entanto, enquanto o JSSC-US lançava as suas análises “desconsiderando questões ligadas às soberanias nacionais do momento”, seguindo uma ordem direta do presidente, a diplomacia presidencial de Roosevelt desencadeou imediatamente as primeiras ações para tornar o mundo lusófono parte da questão.30 Quebrava-se expressamente, então, o acordo celebrado logo após Pearl Harbor e acrescentava-se, assim, mais um capítulo à turbulenta história das relações anglo-americanas, mudando horizontes de expectativa. De fato, a ameaça às possessões portuguesas representava não só um perigo para as esferas de influência britânicas, mas também para uma certa ideia de futuro, em que os impérios deveriam ser preservados. A forma como se criticou a iniciativa americana em Londres, acusada de aventureira e arriscada diante de um ditador português reticente e matreiro, revelava um conhecimento particular da cultura política portuguesa, em oposição ao que os britânicos entendiam ser pura ignorância e falta de preparo do governo em Washington, supostamente ainda não equipado para as responsabilidades de uma grande potência. Ainda mais importante, tais críticas ensinam muito sobre o valor de Salazar para os britânicos e para a manutenção das possessões imperiais no mundo após a guerra. Tudo em um horizonte de expectativa em que o passado moldava o futuro. Naquele momento, havia poucas dúvidas sobre a confiança de Churchill e do seu governo de que, mesmo com a guerra e com a Carta do Atlântico, o Reino Unido manteria seu império intacto.31 Para além da expectativa de que o império português também fosse sobreviver, havia o desejo de que esses “futuros passados” pudessem moldar até a mais radical das propostas para um renovado internacionalismo: as discussões sobre uma nova Liga das Nações.32 Na verdade, através de figuras como Jan Smuts, chefe de governo da África do Sul, muitos apoiadores do Império Britânico não só acreditavam fortemente em sua integridade futura como esperavam que uma Liga remodelada pudesse contribuir para o empreendimento imperial de levar a cabo “a sua missão civilizatória na África”.33 29 Ibid. 30 FDRPL. Franklin Roosevelt Papers. Map Room– caixa 162. Memorandumde 28/12/42, McCrea-Leahy. 31 WEINBERG, op. cit., p. 141-142. 32 KOSELLECK, op. cit. 33 MAZOWER, M. No Enchanted Palace. The End of Empire and the Ideological Origins of the United Nations. Princeton: Princeton University Press, 2008. p. 20.
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