72 A semântica histórica da experiência e as categorias de análise de Koselleck no estudo das dinâmicas de transição em grandes potências Neste texto, para além de sua identificação, as influências mútuas entre estes dois sentidos históricos são analisadas de forma exploratória, procurando-se destacar seus diálogos e concorrências. Para os britânicos, por exemplo, vigoravam conscientemente ou inconscientemente diversos estratos de tempos, criando um horizonte de expectativas de continuidade do passado (das estruturas de um passado em que eram hegemônicos) após a guerra sobre boa parte do mundo. Nesse sentido, haveria uma continuidade dos projetos imperiais e de hegemonia sobre o território português, onde ainda entendiam predominar. Já para os americanos, houve a conjugação de estratos de tempos anteriores com rupturas, com experiências novas, conscientemente ou inconscientemente construídas, que não são apagadas com a vitória na guerra se aproximando, ao contrário, são reforçadas com a evolução dos acontecimentos indo em sua direção, projetando nos documentos analisados um horizonte de expectativa transformado, diferente. Tomaram, eles, o espaço de experiência da guerra como um nó amarrando diversos processos históricos de rupturas, então aceleradas, fazendo surgir um horizonte de expectativa divergente do britânico: o da preponderância global dos Estados Unidos em uma nova era pós-colonial para as relações internacionais, em geral, e para o Mundo Atlântico, em particular. Enquanto boa parte da literatura segue a narrativa mitológica da “Great Alliance” forjada por Churchill e retomada por historiadores como David Castaño ao entender a passagem de Portugal para a esfera de influência americana como sem traumas, ou seja, como apenas “uma passagem de testemunho entre o poder em decadência e o poder em ascensão”,36 o que se nota é um distanciamento entre “experiência” e “expectativa” do lado americano e uma aproximação, do lado britânico. No limite, retomando as lições de Koselleck a partir das transformações entre as chamadas Eras Moderna e Contemporânea, essas diferenças podem ser entendidas como resultados da contemporaneidade dos não contemporâneos.37 Para os britânicos, o horizonte de expectativa quanto às relações internacionais do pós-guerra estava limitado pelo espaço de experiência de um mundo imperial e centrado na Europa, que não teria sido fortemente abalado pela guerra, sendo o contrário para os americanos, tanto por entenderem existir processos mais longos a minar os projetos imperiais de organização social quanto por acreditar em rupturas que a guerra teria causado, projetando um futuro de renovado e mais forte internacionalismo liberal, sob a liderança de Washington. 36 CASTAÑO, D. Paternalismo e Cumplicidade: as relações luso-britânicas de 1943 a 1949. Lisboa: Associação dos Amigos do Arquivo Histórico Diplomático, 2006. p. 25. 37 KOSELLECK, op. cit., 2006, p. 317.
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