Sistemas, tempos e espacos: o Lab-Mundi em dez anos de fazer historiográfico

76 Estado imperial e classe senhorial entre dois tempos históricos como investigadora de tudo, se perderia na infinitude”.3 Nesse sentido, o presente texto lida com os anos finais do século XIX no Brasil a partir de dois pontos: 1) naquela quadra é possível observar o conflito entre dois tempos históricos; 2) a tentativa dos agentes coevos de resolver esse conflito é uma plataforma de observação que permite uma melhor compreensão das relações entre o Estado brasileiro e a classe senhorial escravista. Os dois tempos em conflito são aqui caracterizados como o tempo da escravidão e o tempo da liberdade. Ambos estiveram presentes no Brasil desde a formação do Estado nacional, mas entraram em choque apenas no final do Oitocentos, levando a uma transformação na dinâmica das relações entre o Estado imperial brasileiro e a classe senhorial escravista. Definir com exatidão o que é um tempo histórico não é tarefa fácil. Em linhas sumárias, o tempo histórico aqui é um tempo característico da modernidade e que pode ser compreendido a partir da distinção entre as categorias de experiência e de expectativa. Essas duas categorias históricas são fundamentais, pois permitem apreender as relações entre passado (experiência acumulada de eventos pretéritos) e futuro (expectativa para o porvir concebida a partir da experiência). Também são adequadas para assimilar as ações concretas dos sujeitos históricos, visto que é tendo-as como fundamento que os homens e as mulheres pautavam suas ações. O tempo também apresenta uma heterogeneidade causal, isto é, as consequências dos atos empreendidos pelos sujeitos não dependem exclusivamente dos atos em si, mas sobretudo do universo e do momento no qual eles ocorrem, de tal modo que pode-se dizer que o tempo histórico está associado à ação social e política.4 Por isso era fundamental aos contemporâneos uma leitura acurada daquilo que os precederam para que eles pudessem formar uma projeção cuidadosa daquilo que poderia vir a ser dentro de um determinado campo de possibilidades concretas. Algo tão difícil que constitui uma verdadeira arte, a “arte do prognóstico”, um momento de ação política “capaz de inscrever o passado no futuro” e de nortear, justificar e sustentar ações políticas no presente.5 O presente, por seu turno, contém diversos estratos de tempo “com durações diferentes e origens distintas, mas que, apesar disso, estão presentes e atuam simultaneamente”.6 Portanto, tendo em vista a múltipla convivência temporal registrada em um determinado presente, é possível pensar que em algum momento ocorra uma contradição entre os diversos tempos históricos 3 Cf. KOSELLECK, Reinhart. Estratos do tempo: estudos sobre história. Rio de Janeiro: Contraponto, 2014. (1° ed. alemão 2000), p. 277-293. 4 Cf. KOSELLECK, Reinhart. Futuro Passado. Contribuições à semântica dos tempos históricos. Rio de Janeiro: Contraponto, 2006. (1° ed. alemão 1979), p. 14, p. 16 e p. 307-313. SEWELL JR., William H. Lógicas da história: teoria social e transformação social. Petrópolis: Vozes, 2017. p. 23-24. 5 Cf. KOSELLECK, op. cit., 2006, p. 36 e p. 79-94; KOSELLECK, op. cit., 2014, p.189-205. 6 Cf. KOSELLECK, op. cit., 2014, p. 9.

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