Sistemas, tempos e espacos: o Lab-Mundi em dez anos de fazer historiográfico

78 Estado imperial e classe senhorial entre dois tempos históricos çou seu apogeu e decadência ao longo do século XIX formando a Segunda Escravidão. Desse modo, o convívio entre o abolicionismo que emergiu no século XVIII e o escravismo triunfante do século XIX resultou em severas críticas ao cativeiro e, ao mesmo tempo, na incapacidade de dissolução completa da escravidão. O mesmo espaço que produzia o repertório abolicionista, consumia os gêneros produzidos pelas arenas escravistas. Afinal, o país da Revolução Industrial não deixou de comprar o algodão das plantations americanas, o que contribuiu para que a produção de tecidos britânica fosse grande o suficiente para ser comercializada mesmo nas regiões dominadas pelo trabalho escravo. Os capitalistas ingleses, se defendiam a abolição dentro de casa também investiam capitais na escravidão.13 Portanto, não seria exagero afirmar que ao longo do século XIX os tempos da escravidão e da liberdade existiam em uma convivência contraditória, que, pela sua própria natureza, entrou em ruína no devir histórico. Na realidade escravista do Oitocentos, o quadro de coexistência desses dois tempos apenas foi alterado quando um evento estrutural14 abalou a permanência da instituição escravista no continente americano. Trata-se da Guerra Civil dos Estados Unidos e de seu impacto decisivo, particularmente no Brasil, para que os agentes coevos pensassem o futuro do Império sem a presença da escravidão.15 Nesse cenário de crise, a resposta brasileira foi uma tentativa de administrar o tempo histórico da abolição com intuito de prolongar a duração da escravidão o máximo possível numa ordem internacional 13 Cf. HOBSBAWM, Eric. Da Revolução Industrial Inglesa ao Imperialismo. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2003. MULHERN, Joseph Martin. After 1833: British Entanglement with Brazilian Slavery. 2018. 336 f. Tese (Doutorado em História) – Faculty of Arts and Humanities, Department of History, Durham University, Durham, 2018. 14 Cf. KOSELLECK, op. cit., 2006, p. 140. 15 Cf. BANDEIRA, Moniz. Presença dos Estados Unidos no Brasil (Dois Séculos de História). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1978. (1° ed. 1972), p. 98-103. CONRAD, Robert. Os últimos anos da escravatura no Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1978. (1° ed. em inglês 1972), p. 88-100. TOPLIN, Robert Brent. The Abolition of Slavery in Brazil. New York: Atheneum, 1972. p. 40-43. BARMAN, Roderick. Imperador Cidadão. São Paulo: Unesp, 2012. (1° ed. em inglês 1999) p. 281284. CHALHOUB, Sidney. Machado de Assis, Historiador. São Paulo: Companhia das Letras, 2003. p. 139-142; SALLES, Ricardo. E o Vale era o escravo: Vassouras, século XIX. Senhores e escravos no coração do Império. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008. p. 79-110. MARQUESE, Rafael; PARRON, Tâmis. Internacional escravista. Topoi, v. 12, n. 23, jul./dez. 2011. p. 97-117. MARQUESE, Rafael. The Civil War in the United States and the Crisis of Slavery in Brazil. In: DOYLE, Donh (org.). American Civil Wars: The United States, Latin America, Europe, and the Crisis of the 1860s. Chapel Hill: University of Carolina Press, 2017. AZEVEDO, Célia Marinho de Azevedo. Abolicionismo: Estados Unidos e Brasil, uma história comparada (século XIX). São Paulo: Annablume, 2003. (1° ed. em inglês 1995), p. 59-61. YOUSSEF, Alain El. O Império do Brasil na Segunda Era da Abolição, 1861-1880. 2019. 326 f. Tese (Doutorado em História) – Universidade de São Paulo, São Paulo, 2019.

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