Sistemas, tempos e espacos: o Lab-Mundi em dez anos de fazer historiográfico

79 Bruno da Fonseca Miranda cada vez mais avessa ao cativeiro. Assim surgiu a elaboração da Lei do Ventre Livre, promulgada em 1871.16 A promulgação dessa legislação no Brasil é um momento chave, pois a senda emancipacionista por ela aberta abalou a confiança irrestrita que os fazendeiros depositavam no Estado imperial desde que ele fora montado. Dali em diante, na lógica dos escravistas, fez-se necessário arrumar meios orgânicos para que seus interesses particulares – estrategicamente concebidos por eles como interesses nacionais – fossem protegidos. A solução encontrada foi a organização massiva de associações agrícolas, popularmente conhecidas como “clubes de lavoura” onde se discutiam os problemas enfrentados pela agricultura nacional. Eram espaços potencializadores da representação das demandas dos proprietários agrícolas junto ao Império. Essas agremiações senhoriais se concentraram via de regra no eixo produtivo do café – as áreas nucleadas em torno do Vale do Paraíba e do município de Campinas – lar dos senhores que faziam fortuna por meio da exploração desumana de inúmeros indivíduos escravizados e garantiam as divisas do Estado imperial a partir da renda gerada com o comércio de café. Malgrado a aprendizagem de atuação política na esfera civil que a legislação de 1871 representou, os senhores só compreenderiam depois que a Lei do Ventre Livre ia ao encontro de seus interesses. Quando perceberam, se aferraram nela como garantidora da ordem, mas aí a fricção entre a liberdade e o escravismo apresentou seus resultados. A contradição entre os tempos da liberdade e da escravidão se tornou insustentável quando deixou de existir um respaldo internacional e nacional para a continuidade indefinida da escravidão no Brasil. A legislação de 1871 tentou promover uma resolução definitiva do problema, isto é, ajustar o Brasil ao cenário externo – assinalando à comunidade internacional que a escravidão deixaria de existir no Império – e aplacar os incipientes ânimos abolicionistas que se registravam no cenário interno. A aposta funcionou, mas momentaneamente. Já em 1878-79 ficou claro aos contemporâneos que a lei concedia muito mais à escravidão do que à liberdade, como chegou a afirmar o próprio Visconde do Rio Branco,17 e as críticas incisivas18 à resolução de 1871 irrom16 Cf. MIRANDA, Bruno. A Lei do Ventre Livre e a administração do tempo histórico no Império do Brasil. Anais do Museu Paulista, São Paulo, v. 31, p. 1-31, 2023. e8. 17 Cf. Annaes do Parlamento Brazileiro. Camara dos Srs. Deputados. Sessão de 31 de Julho de 1871, Tomo III. p. 304-306. 18 Cf. por exemplo: “Discurso proferido em Assembleia Popular no Teatro São João em 2 de agosto de 1874”. Extraído do opúsculo: Eleição Direta. Grande Meeting na Capital da Bahia. Bahia. Typ. Do Diário, 1874, p. 68-91. In: BARBOSA, Ruy. Trabalhos políticos. Rio de Janeiro: Fundação Casa de Rui Barbosa, 1987. (Obras Completas de Rui Barbosa, v. 2, t. 2. 1872-1874), p. 2 46. André Rebouças. Agricultura Nacional (Propaganda abolicionista e democrática) contendo os escritos de 1874 a 1883, p. 190. Apud. MORAES, Evaristo de. A campanha abolicionista (1879-1888). Rio de Janeiro: Livraria Editora Leite Ribeiro Freitas Bastos, Spicer & Cia, 1924. p. 2-3. FARIA, João Roberto Faria. Teatro e abolição: A cabana do pai Tomás nos palcos brasileiros. Teresa, v. 1, n. 20, p. 377-411, 2020. FER-

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