Sistemas, tempos e espacos: o Lab-Mundi em dez anos de fazer historiográfico

89 Camilla Cristina Guelli Os processos revolucionários de independência ibero-americanos, deflagrados pelas revoluções liberais e pela crise do Antigo Regime, abriu um horizonte de futuros possíveis ao permitir que um “espaço de experiência revolucionário moderno” se constituísse através de informações que circulavam e criavam expectativas que motivavam ações políticas.17 Segundo Koselleck, cujas concepções teóricas informam tanto Pimenta quanto a pesquisa conectada a este texto, experiência e expectativa “dirigem as ações concretas no movimento social e político” ao articular passado e futuro.18 Lucas Obes possui uma trajetória política plural e esteve vinculado a diversos centros de poder. Participou do governo monárquico espanhol; apoiou tanto José Gervasio Artigas (1764-1850) quanto a segunda invasão portuguesa à Banda Oriental, em 1816, e a seguinte ocupação brasileira; assim como, manteve cargos ministeriais e na procuradoria da República Oriental do Uruguai. Sua trajetória política e social é partilhada por outros indivíduos do período, como Nicolás Herrera e Manuel Cipriano de Melo, os quais, assim como Obes, são homens de negócios que se envolveram com política e circularam entre redes atlânticas constituídas por diversos indivíduos entre múltiplos centros de poder embebidos pela crise.19 A erraticidade da trajetória de Obes se insere perfeitamente no momento de crise que as colônias americanas mergulharam após a expansão napoleônica. Nas palavras de István Jancsó, “as crises não aparecem às consciências dos homens como modelos em vias de esgotamento, mas como dificuldades geradas pela inadequação de práticas pontuais até então eficazes, mas que, repentinamente, perderam efetividade.”20 Neste sentido, a crise que se apresenta aos homens que compartilham o tempo revolucionário com Lucas Obes desarticulou estruturas importantes, e, portanto, esquemas e recursos que as conformavam. Essa ruptura fica evidente na não manutenção de sua posição hierárquica na sociedade que, com o processo revolucionário, foi colocada na berlinda caracterizada pelas sucessíveis prisões, exílios e confisco de bens aos quais foi submetido. E também na perda de sua posição econômica explicitada pela busca por garantias ao 17 PIMENTA, João Paulo. A independência do Brasil e a experiência hispano-americana (1808-1822). São Paulo: Hucitec; Fapesp, 2015. p. 48. 18 KOSELLECK, Reinhart. Futuro passado: contribuição à semântica dos tempos históricos. Rio de Janeiro: Contraponto; PUC-Rio, 2006. p. 308. 19 Sobre Nicolás Herrera: FERREIRA, Pablo. Nicolás Herrera en Río de Janeiro, 1815-1816. Una aproximación al exilio rioplatense en tiempos de guerra y revolución. Páginas, v. 14, n. 35, maio/ago. 2022; Sobre Manuel Cipriano de Melo: PRADO, Fabrício. El borde del Imperio: Redes transatlánticas y revolución en el Río de la Plata borbónico. Ciudad Autónoma de Buenos Aires: Prometeo, 2021; Sobre o contexto: JANCSÓ, István. Independência, independências. In: JANCSÓ, István. (org.). Independência: história e historiografia. São Paulo: Hucitec; Fapesp, 2005. p. 17-48. p. 38. 20 JANCSÓ, István. Na Bahia, contra o império: história do ensaio de sedição de 1798. São Paulo: Hucitec, 1996. p. 203.

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