Sistemas, tempos e espacos: o Lab-Mundi em dez anos de fazer historiográfico

96 Paoli e a Córsega na Era das Revoluções. Múltiplas perspectivas para a historiografia revolucionária Na Inglaterra, o primeiro-ministro britânico William Pitt, o Velho, descreveu Pasquale Paoli como “um daqueles homens que encontramos apenas nos livros de Plutarco”.3 Da mesma forma, Jean-Jacques Rousseau, que elaborou um projeto constitucional para a Córsega, fez uma observação categórica a esse respeito no décimo capítulo do segundo livro de O Contrato Social (1762): Existe ainda na Europa um país capaz de legislação: é a ilha de Córsega. O valor e a constância com que este bravo povo soube recuperar e defender a sua liberdade, bem merecia que um homem sábio o ensinasse a conservá-la. Tenho o pressentimento de que um dia esta pequena ilha fará o espanto da Europa.4 Tendo isso em vista, este capítulo se estrutura em três momentos. Primeiro, explora a inclusão e exclusão da perspectiva atlântica na historiografia revolucionária, de onde a importância (hoje, cada vez mais reconhecida) da Córsega. Em seguida, apresenta uma apreciação dos eventos fundamentais da Revolução na Córsega à luz de autores chaves na historiografia contemporânea. Por fim, sugere, de maneira mais programática que conclusiva, como a abordagem da geo-história proposta por Braudel pode oferecer novas perspectivas para a compreensão da Revolução na Córsega. Pensar a Era das Revoluções5 Os contemporâneos dos eventos revolucionários não tinham dúvidas de que os acontecimentos que testemunhavam só poderiam ser compreendidos em um contexto mais amplo. Dois textos de 1790, Les Révolutions de Paris et de l’Europe, de Antoine Tournon, e Les Révolutions de France et de Brabant, de Camille Desmoulins, descreviam as revoluções de sua época como processos históricos entrelaçados. Em 1787, Malesherbes angustiava-se com o “espírito de insurreição que passou da América para os Países Baixos católicos”, temendo que pudesse chegar “às províncias da França.” Os futuros girondinos Clavière e Brissot, em De la France et des États-Unis (1787) estavam convictos da “importância dos Estados Unidos para a felicidade da França.” Barnave na Introduction à la Révolution française, apresentava os eventos franceses como parte de “uma revolução europeia, da qual a França era o vértice”, uma percep3 BELL, David Aron. Men on Horseback: The Power of Charisma in the Age of Revolution. New York: Farrar, Straus and Giroux, 2020. p. 27. 4 ROUSSEAU, Jean-Jacques. O contrato social. Oeiras: Presença, 2010. p. 65. 5 Algumas das conclusões e passagens desta seção foram retiradas de CARVALHO, Daniel Gomes de; PINHEIRO, Marcos Sorrilha. As Revoluções Atlânticas: França e Estados Unidos. In: História Moderna. São Paulo: Vozes, 2024.

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