Sistemas, tempos e espacos: o Lab-Mundi em dez anos de fazer historiográfico

97 Daniel Gomes de Carvalho ção igualmente reconhecida pelos contrarrevolucionários, como demonstrado pelo abade Barruel.6 Entre os pesquisadores, entretanto, por muito tempo, as Revoluções foram analisadas predominantemente sob uma perspectiva nacional. O conceito e o vocabulário da “história atlântica” surgiram em grande parte como decorrência das duas guerras mundiais, como resposta tanto a uma genuína investigação intelectual quanto aos interesses compartilhados de vários Estados. Desde os dos EUA durante a Primeira Guerra Mundial, como Walter Lippmann e Forrest Davis, até os estudos de Ross Hoffman em 1945, a ideia de uma “História Atlântica” foi associada à noção de uma “civilização” comum – liberal-democrática – que uniria os Estados Unidos e a Europa, identificando o Atlântico Norte como o verdadeiro herdeiro dos valores judaico-cristãos.7 Entre os historiadores, foram os trabalhos pioneiros de Jacques Godechot e Robert Palmer que aprimoraram o conceito de “revoluções atlânticas”. O marco nesse sentido foi a apresentação do texto Le problème de l’Atlantique du XVIIIe au XXe siècle no Congresso Internacional das Ciências históricas de Roma, em 1955. Nessa ocasião, eles propuseram a hipótese de uma “Revolução Atlântica” ou “Revolução Ocidental.” Os autores enfatizaram tanto a importância do tráfico atlântico para o desenvolvimento das burguesias europeias quanto a importação de novas culturas, como a batata, que desempenhou um papel crucial no crescimento demográfico europeu. Na esteira desses trabalhos, entre 1959 e 1964, vieram à luz os dois volumes de A Era das Revoluções Democráticas, de Palmer.8 Nessa perspectiva, o processo revolucionário atlântico é compreendido como uma unidade coesa, com insurreições populares de caráter revolucionário ocorrendo em várias regiões: nas colônias inglesas da América entre 1770 e 1783; na Inglaterra em 1780; na Irlanda de 1780 a 1783; nas Províncias Unidas de 1783 a 1787; na Suíça, especialmente em Genebra, em 1768 e de 1781 a 1782; na França, a partir de 1775 com a “guerra da farinha” e, posteriormente, de 1787 a 1799; na Polônia, que adotou sua Constituição antes da França, de 1790 a 1794; e na Bélgica de 1787 a 1790.9 Assim, a Revolução Francesa não surgiu como um raio em céu sereno, mas como o culminar de um movimento muito mais amplo. Os princípios e ideias revolucionárias tiveram impacto significativo nos Bálcãs, na Rússia, e especialmente na Espanha e em Portugal. A ocupação francesa desses países 6 LEUWERS, Hervé. La Révolution française. Paris: Presses Universitaires de France, 2020. p. 24; GODECHOT, Jacques. As Grandes Correntes da Historiografia da Revolução Francesa, de 1789 aos Nossos Dias. Revista de História, v. 39, n. 80, p. 423-470, 1969. p. 458. Disponível em: https://revistas. usp.br/revhistoria/article/view/128913. Acesso em: 27 jul. 2024. 7 REILLY, William O’Reilly. Genealogies of Atlantic History. Atlantic Studies, v. 1, n. 1, p. 66-84, 2004. 8 PALMER, R. R. The Age of Democratic Revolution. Princeton: Princeton University Press, 2014. 9 GODECHOT, op. cit., p. 459.

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