Sistemas, tempos e espacos: o Lab-Mundi em dez anos de fazer historiográfico

99 Daniel Gomes de Carvalho Jacobinos Negros, de C.L.R. James, data de 1938. Os três paradigmas, portanto, se irmanam no “silenciamento” do Haiti, para recorrermos ao conceito de Michel Truillot13 no clássico Silenciando o Passado. A própria ideia de uma “história atlântica”, a propósito, faz parte dessa disputa. Desse modo, autores como Eric Williams14, Paul Gilroy15, Peter Linebaugh e Marcus Rediker16 lançaram outros olhares sobre atlântico, entendido não apenas enquanto espaço de escravidão, mas também como espaço de liberdade, criação e resistência. Se o paradigma das “revoluções burguesas”, hegemônico nos anos 1970, mal sobreviveu às críticas das décadas de 1980 e 1990, também hoje soa pouco convincente a ideia de uma história atlântica posicionada dentro de uma linha em direção à globalização ou à modernização.17 Desse modo, se há, conforme argumenta Armitage,18 uma retomada da ideia de Palmer a partir do paradigma da “história global”, conceitos como “revoluções atlânticas” ou “ocidentais” são (ou deveriam ser) empregados com cautela. Hoje, entende-se que espaço das revoluções, por exemplo, inclui o Caribe (onde o Vodu, que tem suas raízes relacionadas às heranças do Golfo do Benin, é considerado ao lado do Iluminismo nas origens intelectuais das Revoluções), a Índia (onde os franceses enviaram tropas para apoiar o sultão Tippoo, rei do Mysore), a Colômbia (onde os trabalhos de Forrest Hylton sobre as relações guajiro-espanholas em Nova Granada são notáveis), e os Andes (onde o movimento de Tupac Amaru II oferece concepções alternativas de autodeterminação). Assim, trata-se de uma reavaliação crítica, que questiona e, em certa medida, corrige os pontos abordados e silenciados por Palmer. Entre belgas, franceses e neerlandeses, por exemplo, havia uma ideia comum de liberdade tributária influenciada pela experiência colonial, o que levou alguns historiadores a afirmar que “toda Revolução é uma guerra de independência”.19 No entanto, como alerta Sarah Knott20, essa visão não deve nos levar a concluir que a articulação entre os espaços revolucionários foi simplesmente “horizontal.” Em locais como o Egito e a Ilha de Java, as Revoluções também compreenderam os aspectos imperiais da moderna concepção de 13 TROUILLOT, Michel-Rolph. Silenciando o passado. Curitiba: Huya, 2016. 14 WILLIAMS, Eric. Capitalismo e escravidão. São Paulo: Companhia das Letras, 2012. 15 GILROY, Paul. O Atlântico Negro. Rio de Janeiro: Editora 34, 2020. 16 LINEBAUGH, Peter; REDIKER, Marcus. A hidra de muitas cabeças: marinheiros, escravos, plebeus e a história oculta do Atlântico revolucionário. São Paulo: Companhia das Letras, 2008. 17 ARMITAGE, David. Três conceitos de história atlântica. História Unisinos, v. 18, n. 2, p. 206-217, 2014. 18 No prefácio à reedição em PALMER, R. R. The Age of Democratic Revolution. Princeton: Princeton University Press, 2014. 19 DESAN, Suzanne; HUNT, Lynn; NELSON, William Max (org.). The French Revolution in Global Perspective. Nova York: Cornell University Press, 2013. p. 165. 20 KNOTT, Sarah. Narrating the Age of Revolution. William & Mary Quarterly, v. 73, n. 1, p. 3-36, 2016.

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