106 Cadernos do PAAS, volume 11 - A mudança como fenômeno no cuidado em saúde sujeito não se sustenta, visto que ele é uma confluência daquilo que se apresenta, se articula, e se atravessa na experiência de si no mundo, em diferentes contextos e lugares, de diversas formas, construindo interconexões de dentro com o Fora. Há uma capacidade potencial de transformação na ideia “de passagem”, que pode vir-a-ser lugar de trânsito do desejo-livre, e de busca por esse fora-dos-moldes e das capturas estruturais e socioculturais às quais estamos, constantemente e rigidamente, atrelados. A via poética da experiência de ser um corpo-de-passagem é justamente ocupar esse espaço de circulação de forças desejantes e afetivas, é ser a ponte que dá vazão para o que se apresenta no corpo, e que vai muito além da ideia orgânica e biológica. É ser-de-passagem enquanto conexão, caminho, aquilo que une o acontecimento com a possibilidade de reinventar-se, mais uma vez. É o entre, é habitar esse vão que não é vazio, mas sim cheio do novo, daquilo que emerge como potência de vida. Um ato de produzir vão que é zona de passagem para entortar as concepções já existentes sobre o que pode o corpo, sobre o lugar do corpo na Psicologia, e que é semente para crescer raízes e produzir rizomas (Müller, 2022, p. 48). Nesse ponto, a ideia de um Corpo sem Órgãos (CsO)5 começa a emergir enquanto imagem potencial para o trabalho clínico. Essa é uma noção de corpo que consegue a libertação daquilo que, até então, era extremamente rígido e estruturado, tornando-se potência nômade e rizomática de fluxo do desejo-livre e das intensidades das forças que pedem passagem. Portanto, esse corpo-de-passagem vira território de transformação, um campo aberto para os afetos, criador de movimentos-escape por entre as brechas subjetivas. É assumir uma posição corajosa esse movimento de desassossegar-se na potência de ser corpo-de-passagem, visto que é colocar-se a disposição e disponível ao outro, e àquilo que vem como força pro5 Um corpo sem órgãos não é um corpo vazio e desprovido de órgãos, mas um corpo sobre o qual o que serve de órgãos se distribui segundo movimentos de multidões, segundo movimentos brownóides, sob forma de multiplicidades moleculares. [...] O corpo sem órgãos não é um corpo morto, mas um corpo vivo, e tão vivo e tão fervilhante que ele expulsou o organismo e sua organização (Deleuze; Guattari, 1995a, p. 41-42).
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