A mudanca como fenomeno no cuidado em saude

74 Cadernos do PAAS, volume 11 - A mudança como fenômeno no cuidado em saúde Existir é uma tarefa coletiva, então fomos juntas fazer um existir compartilhado, tecendo novos caminhos possíveis para a existência dos afetados que estavam à mercê do choque de realidade. Para muitos, foi difícil chegar em terra firme e abandonar o retrato da avó, a mesa que reunia a família no almoço de domingo, os livros que permitiam sonhar novos caminhos, as bonecas e os carrinhos que avisavam que naquele lar existiam crianças brincantes. Perderam-se os caminhos, as rotas, as rotinas, as lembranças, os contornos. Vidas e objetos impregnados de memórias, perdas irreparáveis. Vivenciamos em primeira pessoa o desamparo por tudo que a água levou, testemunhas de relatos de sobrevivência, de vidas inteiras cabendo dentro de uma caixa e de sonhos sendo empilhados nas calçadas. Estivemos cara a cara com o início, no durante e em meio a isso tudo, mobilizadas pelo agora e pelo que viria depois. Admitir a tragédia das enchentes do Rio Grande do Sul como realidade foi muito difícil. Vivemos a agonia da impotência e a exaustão do esforço, mas nós não poderíamos negar a realidade, viver isso tudo nos significou encará-la, atendê-la e entendê-la. Um divisor de águas na formação em Psicologia A nossa rotina dentro de um dos abrigos do Rio Grande do Sul nos fez ficar de frente com inúmeras conjunturas da vida humana que não imaginávamos vivenciar de uma só vez. De repente, todas as circunstâncias foram escancaradas, reunidas e compartilhadas em um só espaço e sentíamos como se as condições mais complexas perpassadas, refletidas e discutidas ao longo da graduação viesse à tona e ultrapassassem a teoria para a prática. Nos questionamos em inúmeros momentos se seria possível estarmos preparadas e equipadas para tudo aquilo, a cada dia, entre plantões noturnos e dias intermináveis, uma luta nova, com tantas demandas, sem saber por onde começávamos. Um desafio não só para nós estagiárias e alunas, mas que se estendia para as psicólogas que estavam conosco. Os primeiros momentos foram de reconhecimento do espaço e das pessoas junto a psicóloga responsável pela área de saúde mental do abrigo. Esse “conhecer” diverge de qualquer outro contexto, ali estávamos conhecendo pessoas que ainda estavam em choque, traumatizadas e vulneráveis. Débora Noal (2017), ao falar sobre sua primeira

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