A mudanca como fenomeno no cuidado em saude

82 Cadernos do PAAS, volume 11 - A mudança como fenômeno no cuidado em saúde O cenário de calamidade foi estrondoso, deixando muitas famílias sem lugar, gerando desespero e luta pela própria sobrevivência. Ao mesmo tempo, testemunhamos a complexidade desse momento, em que a solidariedade entre as pessoas florescia, enquanto formas de violência e exclusão se multiplicavam a quatro cantos. Em São Leopoldo – RS, participamos da construção de um dos maiores abrigos da cidade, que acolheu inicialmente cerca de 1.500 pessoas, entre adultos, jovens, idosos, crianças e seus animais de estimação, vindos de diversas regiões. A Unisinos, ao abrir as portas para essa população, permitiu que vivêssemos de perto os desafios e as dinâmicas de convivência em um dos maiores abrigos da cidade (Unisinos, 2024). Ali, os primeiros dias beiravam o caos, o silêncio e o desamparo. Pessoas vagavam por entre os três ginásios, alguns com um olhar longínquo, como se não estivessem ali. Outros pareciam mais desesperados, encontrando forças para reivindicar seus direitos básicos, como alimentação, higiene e um espaço para dormir. A primeira noite no abrigo parecia eterna, com a luta por conseguir um espaço, um colchão para cada família que ali estava, algo para comer, alguém para falar ou brigar. Os voluntários chegavam para auxiliar, mas vagavam também, compartilhando a sensação de estarem perdidos em meio àquela multidão sem lugar. Enquanto professora do Curso de Psicologia da Unisinos e psicóloga da Sedhu (Secretaria de Direitos Humanos), e estudante da Unisinos e estagiária de psicologia da Sedhu, procuramos estar juntas, entrar no meio do caos, compor possíveis começos, iniciando pela concretude das necessidades que pediam passagem e urgência. Corremos para alcançar água, para compartilhar comida, para distribuir colchões, para ouvir as urgências que pediam passagem e que gritavam em meio ao silêncio e à sensação de vazio. Pouco a pouco, fizemos parte de uma construção coletiva, em que um espaço em saúde mental foi sendo agenciado, organizado e composto por múltiplos corpos e mentes. Fizemos parte de uma equipe multidisciplinar, entre professores e estudantes da Unisinos, além de profissionais voluntários, procurando organizar um trabalho em cuidado e em saúde mental para as pessoas abrigadas. Entre várias intervenções vividas, construímos um grupo com mulheres abrigadas. Esse coletivo nos afetou, nos convidou a pensar como a psicologia pode se colocar ético-politicamente, num contex-

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