84 Cadernos do PAAS, volume 11 - A mudança como fenômeno no cuidado em saúde ginávamos, e cabia a nós oferecer experiências de cuidado às pessoas desabrigadas. Inspiradas na perspectiva de Regina Benevides (2007), compreendemos que a formação desse grupo não era apenas uma ação prática, mas uma escolha ético-estético-política. O grupo seria um espaço coletivo de construção de novas territorialidades, nas quais as mulheres poderiam compartilhar suas subjetividades, ressignificando suas dores e vivências em meio ao caos, de modo a transformar aquela experiência em uma oportunidade de acolhimento e resistência. Muitas colegas, professoras de psicologia, estudantes e voluntárias se uniram para compor essa construção, todas movidas pelo desejo de fazer acontecer aquele momento. Mesmo antes da formação oficial do grupo, já nos sentíamos convocadas a ocupar esse espaço, impulsionadas pela vontade de criar algo significativo. Caminhávamos pelo abrigo, percorrendo ginásios e corredores, convidando as mulheres a participar. Assim, o grupo começava a se expandir, ganhando novos contornos e visibilidades. Essa abordagem se alinha às Referências Técnicas para a atuação de psicólogas(os) na gestão integral de riscos, emergências e desastres (2021), que indicam uma mudança de paradigma no trabalho psicológico em contextos de calamidade. Nesse cenário, o foco deixa de ser as ações individuais e medicamentosas, passando a priorizar as intervenções coletivas e comunitárias, que refletem a natureza compartilhada das experiências vividas em desastres. Nos primeiros encontros, a roda de mulheres, composta por um número expressivo de participantes, mal cabia na sala. Havia uma tensão palpável, com nervos à flor da pele, e muitas se queixavam de diversas questões. Aos poucos, um exercício crítico e ético-político foi tomando forma, permitindo que as próprias vivências no abrigo fossem questionadas. A sensação de institucionalização era evidente, refletida até no apelido “Carandiru”, dado ao abrigo. As mulheres manifestaram seu descontentamento com as filas, a demora, os horários rígidos e a falta de participação na gestão do espaço. Em vários momentos, o desejo de gritar, de lutar e de tornar coletiva essa revolta permeou nossos encontros. Enquanto um pequeno coletivo que coordenava o grupo, fomos acolhendo a intensidade dos afetos que pediam passagem, no sentido de criar contornos para o caos, suportar a raiva, acolher a fala que quase gritava e pedia socorro. Não raras vezes, a sensação de impo-
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